sexta-feira, 9 de maio de 2014

Reencontros com a Literatura e com a vida

Uma vez em um curso que fiz com o professor Benjamim Abdala ouvi ele dizer que a literatura é aquilo que fica, aquilo que transforma e é justamente este o sentimento que tenho ao ler Luandino.

Reencontrar a literatura, de alguma forma, no doutorado, foi de certa maneira reencontrar a mim mesmo, alguém que ficou na biblioteca de meu colégio do ensino médio e que eu só reencontrei no doutorado.

Só para deixar-lhes com um vontadezinha de ler Luandino, e mesmo, mutilando o seu texto, um breve trecho do conto "Faustino" de "A cidade e a infância". É o momento que Faustino, decide largar seu emprego e mesmo na incerteza decide seguir seus sonhos e ir estudar.

Faustino é um exemplo para nós que decidimos fazer um pós-graduação, mas sobretudo é um exemplo para o povo negro e pobre deste país miserável que não dá valor a educação.

“Faustino gostava de flores. E de estudar. E ficava triste quando via a senhora do terceiro andar gritar para a filha, menina sardenta de seios púberes:
- Belita, vem estudar!
- Não quero, mãe!
Ficava triste porque ele queria estudar. Cortou mais uma flor. Despiu a farda e pegou nos seus livros. O encarregado correu atrás dele.
- Ah negro, se t’apanho!
Os miúdos gritaram para Faustino já distante.
-Bóbi! Bóbi! Bóbi!
Bóbi era o cão de luxo da senhora do terceiro andar. E Faustino nem era ao menos um cão de luxo. Era um negro porteiro que tinha mania de estudar.
Pelo caminho abriu as Ciências, pensou em Maria, os dois sem emprego, e foi desfolhando a última flor colhida:
- Cálice, corola, androceu...”
(Luandino Vieira, Luanda, 1957).